Quilombo dos Palmares

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Quilombo dos Palmares

Angola Janga

? — 1695 

Mapa da Capitania de Pernambuco com representação do Quilombo dos Palmares, confeccionado pelo pintor e gravurista holandês Frans Post em 1647. Palmares foi o maior quilombo do Brasil colonial.
Continente América do Sul
Região Alagoas
Capital Serra da Barriga
País atual Brasil

Língua oficial Bantu
Português
Línguas indigenas
Religiões Religiões tradicionais africanas
Bucongo
Islã
Cristianismo

Forma de governo Monarquia Confederada
• 1630-1650  Aqualtune
• 1650-1678  Ganga Zumba
• 1678  Ganga Zona
• 1678-1695  Zumbi

Período histórico Brasil Colonial
•    Fundação do Quilombo por escravos fugidos de seus senhores
• 1650  Reinado de Ganga Zumba
• 1678  Reinado de Zumbi
• 1695  Invasão e destruição do Quilombo por parte dos bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho

O Quilombo dos Palmares foi um quilombo da era colonial brasileira. Localizava-se na Serra da Barriga, na então Capitania de Pernambuco, região hoje pertencente ao município de União dos Palmares, no estado brasileiro de Alagoas, a cerca de 78 quilômetros da capital alagoana Maceió,[1] onde atualmente está o Parque Memorial Quilombo dos Palmares, implantado em 2007.[2]

Foi uma das primeiras experiências republicanas no Brasil.[3][4] A fama e a memória de Palmares se espalharam pelo Brasil, inspirando outros quilombos e causando medo na instituição escravista portuguesa pois receavam que o fenômeno de Palmares se repetisse.[5]

Conheceu o seu auge na segunda metade do século XVII, constituindo-se no mais emblemático dos quilombos formados no período colonial. Resistiu por mais de um século, o seu mito transformando-se em moderno símbolo da resistência do africano à escravatura. Os quilombos foram uma forma de rebelião contra a condição de escravo e chegaram a oferecer resistência contra o sistema escravista, que obrigava homens e mulheres trazidos da África a prestarem serviços forçados. Os escravos trabalhavam de maneira desumana e sem qualquer tipo de remuneração. Foi na região da Serra da Barriga, na então Capitania de Pernambuco, que Ganga Zumba e outros escravos fugidos formaram o Quilombo dos Palmares. Este foi atacado diversas vezes até ser derrotado, demonstrando assim sua grande organização política e militar.[1]

História[editar | editar código-fonte]

Mirante da Serra da Barriga.
Réplica da sede administrativa do Quilombo dos Palmares.
O Quilombo dos Palmares é considerado o berço da capoeira.[6]

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

As primeiras referências a um quilombo na região remontam a 1580, formado por escravos fugitivos de engenhos da Capitania de Pernambuco.[7][8]

O apogeu[editar | editar código-fonte]

À época das invasões holandesas do Brasil (1624-1625 e 1630-1654), com a perturbação causada nas rotinas dos engenhos de açúcar, registrou-se um crescimento da população em Palmares, que passou a formar diversos núcleos de povoamento (mocambos). Os principais foram:

  • Cerca Real do Macaco - o maior centro político do quilombo, contando com cerca de 1 500 habitações;
  • Subupira - centralizava as atividades militares, contando com cerca de 800 habitações;
  • Zumbi - era o líder do povo. Tornou-se símbolo da luta dos afro-brasileiros contra a opressão e a discriminação;
  • Dandara - esposa de Zumbi, liderava as falanges femininas do exército palmarino.

Embora não se possa precisar o número de habitantes nos Palmares, uma vez que a população flutuava ao sabor das conjunturas, historiadores estimam que, em 1670, alcançou cerca de vinte mil pessoas. No principal mocambo, a Cerca Real do Macaco, calcula-se que viviam em torno de 6 mil pessoas, quase a população do Rio de Janeiro, estimada em aproximadamente 7 mil habitantes no ano de 1660 (incluindo indígenas e africanos).[9]

Essa população sobrevivia graças à caça, à pesca, à coleta de frutas (goiaba, caju, abacate e outras) e à agricultura (feijão, milho, mandioca, banana, laranja e cana-de-açúcar). Complementarmente, praticava o artesanato (cestas, tecidos, cerâmica, metalurgia). Os excedentes eram comercializados com as populações vizinhas, de tal forma que colonos chegavam a alugar terras para plantio e a trocar alimentos por munição com os quilombolas.[1]

Pouco se sabe, também, acerca da organização política do quilombo. Alguns supõem que se constituiu ali um verdadeiro Estado, nos moldes dos reinos africanos, sendo os diversos mocambos governados por oligarcas sob a chefia suprema de um líder.

Outros apontam para a possibilidade de uma descentralização do poder entre os diferentes grupos, pertencentes às diversas etnias que formavam os núcleos de quilombos, que delegavam esse poder a lideranças militares conforme o seu prestígio. As mais famosas lideranças foram Ganga Zumba e seu sobrinho, Zumbi. Apesar disso, alguns historiadores sugerem que existe a possibilidade de que alguma forma de trabalho compulsório tenha sido praticada dentro do quilombo.[nota 1]

As relações de trabalho forçado encontradas dentro dos Quilombos não podem ser enquadradas na mesma condição dos regimes escravocratas latino-americanos, porque se tratavam da sujeição de indivíduos aprisionados, inimigos de guerra, ao trabalho forçado. Estes indivíduos eram provenientes de etnias diferentes, considerando que a África seja um continente inteiro, repleto de reinados ideologicamente divergentes entre si. Zumbi não era, afirmam estudiosos do Museu Afro Brasil, um líder libertário com foco na libertação dos negros da mesma forma que se põem as questões raciais atuais, mas focava na proteção dos indivíduos de sua etnia, cultura e regionalidade. O Museu AfroBrasil indica que: “Estado” dentro do quilombo era baseado em um tipo de “Estado africano” — o chefe (chamado de rei por força de expressão) era eleito, contestado e até podia chegar ser afastado por uma assembleia geral dos quilombolas. Mas isso não significa que Palmares era uma democracia: o local ainda tinha muitas das características sociais do século".[10]

A repressão[editar | editar código-fonte]

Zumbi dos Palmares

Com a expulsão dos holandeses do Nordeste do Brasil, acentuou-se a carência de mão-de-obra para a retomada de produção dos engenhos de açúcar da região. Dado o elevado preço dos escravos africanos, os ataques a Palmares aumentaram, visando a recaptura de seus integrantes.

A prosperidade de Palmares, por outro lado, atraía atenção e receio, e o governo colonial sentiu-se obrigado a tomar providências para afirmar o seu poder sobre a região. Em carta à Coroa Portuguesa, um governador-geral reportou que os quilombos eram mais difíceis de vencer do que os neerlandeses.

Foram necessárias, entretanto, cerca de dezoito expedições, organizadas desde o período de dominação holandesa, para erradicar definitivamente o Quilombo dos Palmares.[1]

No último quartel do século XVII, Fernão Carrilho ofereceu a Ganga Zumba, um líder que implementou táticas de guerrilha na defesa do território, um tratado de paz (1677). Por seus termos, era oferecida a liberdade aos nascidos no quilombo, assim como terras inférteis na região de Cocaú. Grande parte dos quilombolas rejeitou os termos desse acordo, nitidamente desfavoráveis e, na disputa então surgida, Ganga Zumba foi envenenado, subindo ao poder o seu irmão, Ganga Zona, aliado dos portugueses. O acordo foi, desse modo, rompido, tendo os dissidentes se restabelecido em Palmares, sob a liderança de Zumbi.

No primeiro momento, Zumbi substituiu a estratégia de defesa passiva por um tipo de estratégia de guerrilha, com a prática de ataques de surpresa a engenhos, libertando escravos e apoderando-se de armas, munições e suprimentos, empregando-os em novos ataques.

A ação de Domingos Jorge Velho[editar | editar código-fonte]

Domingos Jorge Velho
Ver artigo principal: Guerra dos Palmares

Após várias investidas relativamente infrutíferas contra Palmares, o governador e capitão-general da Capitania de Pernambuco, Caetano de Melo e Castro, contratou o bandeirante Domingos Jorge Velho e o capitão-mor Bernardo Vieira de Melo para erradicar de vez a ameaça dos escravos fugitivos na região.

O quilombo passou a ser atacado pelas forças do bandeirante e, mesmo experientes na guerra de extermínio, tiveram grandes dificuldades em vencer as táticas dos quilombolas, mais elaboradas que a dos indígenas com quem haviam tido contato. Ademais, tiveram problemas para contornar a inimizade surgida com os colonos da região, vítimas de saques dos bandeirantes em diversas ocasiões.

Em janeiro de 1694, após um ataque frustrado, as forças do bandeirante iniciaram uma empreitada vitoriosa, com um contingente de seis mil homens, bem armados e municiados, inclusive com artilharia. Um quilombola, Antônio Soares, foi capturado e, mediante a promessa de Domingos Jorge Velho de que seria libertado em troca da revelação do esconderijo do líder, Zumbi foi encurralado e morto em uma emboscada, a 20 de novembro de 1695.[11][carece de fonte melhor]

Zumbi dos Palmares foi decapitado e sua cabeça exposta até completa decomposição no Pátio do Carmo (foto), Recife.[12]

A cabeça de Zumbi foi cortada e conduzida para Recife, onde foi exposta em praça pública no Pátio do Carmo, no alto de um mastro, para servir de exemplo a outros escravos.[12]

Sem a liderança militar de Zumbi, por volta do ano de 1710, o quilombo se desfez por completo.[1]

Escravidão em Palmares[editar | editar código-fonte]

Apesar ser vista por alguns movimentos e setores da sociedade como representantes da resistência à escravidão, muitos quilombos contavam com a escravidão internamente. Esta prática levou vários teóricos a interpretarem a prática dos quilombos como um conservadorismo africano, que mantinha as diversas classes sociais existentes na África, incluindo reis, generais e escravos.[13]

Para alguns autores, no entanto, a escravidão nos quilombos em nada se assemelharia à escravidão dos brancos sobre os negros, sendo os escravos considerados como membros das casas dos senhores, aos quais deviam obediência e respeito,[14] semelhante à servidão entre brancos, comum na Europa na Alta Idade Média.[carece de fontes?] Para estes autores, a prática da escravidão teria dupla finalidade:[14] aculturar os escravos recém-libertos às práticas dos quilombos, que consistiam em trabalho árduo para a subsistência da comunidade, já que muitos dos escravos libertos achavam que não teriam mais que trabalhar, e diferenciar os ex-escravos que chegavam aos quilombos pelos próprios meios (escravos fugidos, que se arriscavam até encontrar um quilombo. Sendo, neste trajeto, perseguidos por animais selvagens e pelos antigos senhores, e ainda, correndo o risco de serem capturados por outros escravistas), daqueles trazidos por incursões de resgates (escravos libertados por quilombolas que iam às fazendas e vilas para libertar escravos).

Por outro lado, outros autores apontam a existência de uma escravidão até mesmo predatória por parte dos habitantes do quilombo dos Palmares, que realizavam incursões nos territórios vizinhos, de onde traziam à força indivíduos para trabalharem como escravos em suas plantações, desenvolvendo assim uma espécie de "escravismo dentro da própria 'república'".[15][16] Escravos que se recusavam a fugir das fazendas e ir para os quilombos também eram capturados e convertidos em cativos dos quilombolas.[17]

Filmografia[editar | editar código-fonte]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Notas

  1. Dentro de uma visão historiográfica mais recente, o principal historiador a reinterpretar o que ocorreu nos quilombos brasileiros é o carioca Flávio dos Santos Gomes na obra Histórias de Quilombolas, onde afirma: "Ao contrário de muitos estudos dos anos 1960 e 1970, as investigações mais recentes procuraram se aproximar do diálogo com a literatura internacional sobre o tema, ressaltando reflexões sobre cultura, família e protesto escravo no Caribe e no sul dos Estados Unidos". Essa corrente, recorrendo a fontes primárias e baseando-se no modo de pensar da época, busca desfazer diversos mitos criados sobre Palmares no século XX, concluindo que ali existiu uma hierarquia estratificada, com servos e reis tão poderosos quanto os dos reinos na África; que Zumbi e outros chefes tinham os seus próprios escravos; que as cartas nas quais um padre daria detalhes acerca da infância de Zumbi provavelmente foram forjadas; e que, ao romper o acordo de Ganga-Zumba com os portugueses, o próprio Zumbi pode ter decretado o fim do quilombo. Ver Leandro Narloch. O Enigma de Zumbi. in: Revista Veja. Consultado em 15 Nov. 2008.

Referências

  1. a b c d e Nicolette, Carlos Eduardo. «Material Didático: O Quilombo dos Palmares». Consultado em 7 de maio de 2023. Cópia arquivada em 20 de novembro de 2018 
  2. «Parque Memorial Quilombo dos Palmares». Fundação Cultural Palmares (Governo Federal). Consultado em 14 de novembro de 2023 
  3. «Do Nordeste ao Sul, revoltas locais foram experiências de República antes de 1889». Folha de S.Paulo. 14 de novembro de 2019. Consultado em 7 de março de 2023 
  4. Funari, Pedro Paulo A. (1 de março de 1996). «A "República de Palmares" e a arqueologia da Serra da Barriga». Revista USP (28): 6–13. ISSN 2316-9036. doi:10.11606/issn.2316-9036.v0i28p6-13. Consultado em 7 de março de 2023 
  5. Marca de Fogo: o Medo dos Quilombos e a Construção da Hegemonia Escravista (minas Gerais, 1699-1769) (PDF) (Tese). UFMG. p. 66 
  6. «Estado é exaltado em festa nacional». Ministério da Cultura. Consultado em 19 de junho de 2017. Arquivado do original em 17 de novembro de 2018 
  7. «Estado é exaltado em festa nacional». Ministério da Cultura. Consultado em 6 de dezembro de 2018. Arquivado do original em 17 de novembro de 2018 
  8. «Quilombo dos Palmares: Verdades e mitos sobre o quilombo e Zumbi». UOL. Consultado em 6 de dezembro de 2018 
  9. (1) SCHWARCZ; (2) STARLING, (1) Lilia, (2) Heloisa (2015). Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras. 101 páginas 
  10. Revista Galileu (22 de novembro de 2019). «Afinal, Zumbi dos Palmares tinha escravos?». Revista Galileu. Consultado em 27 de outubro de 2020 
  11. Andrade, Ana Luiza Mello Santiago de. «Guerra dos Palmares». InfoEscola. Consultado em 11 de novembro de 2023 [ligação inativa] 
  12. a b «Afro-descendente recebe medalha». UOL.com.br. Consultado em 7 de março de 2015. Arquivado do original em 2 de abril de 2015 
  13. Libby, Douglas Cole e Furtado, Júnia Ferreira. Trabalho livre, trabalho escravo: Brasil e Europa, séculos XVIII e XIX. págs. 321-322. Annablume, 2006 - ISBN 8574196274, 9788574196275
  14. a b Landmann, Jorge. Tróia Negra. Mandarim, 1998 - ISBN 8535400931, 9788535400939
  15. Risério, Antonio (2007). A Utopia Brasileira e os Movimentos Negros. [S.l.]: Editora 34. p. 406. ISBN 8573263857, 9788573263855 Verifique |isbn= (ajuda) 
  16. Berger, Marc (2007). O Quilombo - Forma de Resistência Histórica dos Escravos. [S.l.]: GRIN Verlag. p. 11. ISBN 3638943577, 9783638943574 Verifique |isbn= (ajuda) 
  17. Martins, José de Souza, professor titular de Sociologia da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, O Estado de S. Paulo, 19 de novembro de 2006. Citado em Mendonça, Armando. 'Vi Li Ouvi VI, p. 71. Thesaurus Editora, 2008. ISBN 8570627610, 9788570627612.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]